quinta-feira, 17 de maio de 2007

Um Furo de Água Fresca: A Tenacidade

Quando pagaram as terras ocupadas pela Barragem, os meus sogros compraram um apartamento e foram morar para a Vila de Messines, em 1992. Um rés-do-chão a 200 metros do Centro de Saúde.
Ele tinha 84 anos.
O quintal, nas traseiras do apartamento, era pequeno, talvez uns 25 m2. De início, para além do tanque de lavar a roupa e dos estendais, ainda tinha os vasos de flores da Ti'Piedade, um limoeiro, cebolas, alface, tomateiras, as couves do caldo verde e umas pezeiras de salsa e hortelã. No muro de tijolo, ao fundo, que suporta as terras, fez uns buracos onde plantou umas vides que depois armou em parreiras, que dão sombra para o quintal e uvas deliciosas. Depois fez o furo, o forno, a oficina, acimentou a maior parte do chão e fez um muro a desenhar um canteiro onde pouco mais ficou, para além dos vasos, que as couves do caldo verde, a salsa, a hortelã e o chá da bela-luísa (lúcia-lima).
Mas o que gostava mesmo, era de contar como ele fez o furo, pois demonstra a sua paciência, persistência, resistência, habilidade e inteligência. Fê-lo sozinho, durante meses, com cerca de sete metros de profundidade.
O furo foi feito no canto do lado direito. O solo é de argila vermelha pesada e compacta. As ferramentas foram feitas com varas de eucalipto e canas, com encaixes resistentes para poder trabalhar no fundo do furo, mas fáceis de desengatar para poderem ser desmontadas, ao serem retiradas. Uma tinha na ponta uma lâmina em ferro para furar e cavar. Outra era redonda para manter o furo circular e à mesma largura. A que tirava a terra era a mais complicada: Cortou um farolim de motorizada ao meio. Fixou essas metades num eixo na ponta duma vara, ligadas por uma mola, como duas mãos viradas uma para a outra. Um dispositivo, acionado por um fio, destrancava a mola e fazia com que as metades se fechassem. Abria as duas metades antes de as introduzir no furo, quando chegava ao fundo puchava o fio para destrancar a mola e apanhava um punhado de terra, que puchava para fora. Por cima da cabeça tinha um suporte que servia de guia às varas que constituiam os cabos das ferramentas. O furo foi ganhando cada vez mais água e dificultando cada vez mais a tiragem da terra. Comprou tubo, com cerca de 20 cm de diâmetro, e entubou-o até ao fundo. Na parte superior fez um gargalo em pedra e cimento, com tampa de metal que ele fez. Colocou-lhe por cima uma roldana e mandou fazer um balde cilíndrico com válvula no fundo, que enche em contacto com a água.
Orgulhava-se de dizer que era uma água boa e fresca...
Melhor que a da torneira!

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