quarta-feira, 18 de abril de 2007

O Ti' Zé Moleiro - Recordar a Partida


O Ti' Zé Moleiro, assim era conhecido o meu sogro - José Manuel, o seu nome completo - faleceu no Sábado, dia 17 de Março de 2007.
Desde que a minha mãe morreu, já lá vão mais de 40 anos, e o meu irmão Nuno, 20 e tal, nunca uma morte me tinha custado tanto. Tinha-me convencido que estava 'vacinado' contra este tipo de sofrimento. Enganei-me!
Durante uns dias fiquei atordoado. Apanhou-me de surpresa. Sempre pensava que ainda duraria mais uns mesitos.
É verdade que em casa os seus passos eram cada vez mais pequenos. Ultimamente, o gorro sempre na cabeça tentava manter uma temperatura que os pulmões já não conseguiam alimentar. Os rins... claro, os rins, com todos aqueles comprimidos a água era sempre pouca, até pelo trabalho que dava ir à casa de banho. E os diabetes... Cada vez era mais difícil o equilíbrio...!
Ia fazer 99 lá para os finais do ano: a 21 de Novembro. Mesmo assim sempre pensei que se aguentaria mais uns mesitos: Achei demasiado cedo!

"Já os enganei sem querer", dizia ele quando o visitei no hospital com a Rosália e a Marta naquela última 6ª-feira à noite. "Perguntaram-me quando fazia anos e devia-lhes ter dito 14 de Outubro, como está no Bilhete de Identidade". A sua atenção e lucidez não deixavam dúvidas. (Normalmente os pais registavam as crianças mais tarde para não pagarem multa, nunca percebi aquela troca de datas).
A Rosália ajudou-o a jantar: Uma colher a seguir à outra... "Estás com pressa?" Perguntou ele com ar de riso, com um sentido de humor que desconcertava.
A sobremesa parecia um poré de maçã e a Rosália perguntou-lhe se estava boa: "Está doce!" Referiu ele, embora, por causa dos diabetes, sempre seria pouco o açúcar. A Marta levava-lhe umas florzitas do campo. Pegou nelas cheirou-as e reconheceu-as, mas disse que o pessoal do hospital podia não as querer ali. A Marta acabou por pendurar uma ao seu lado, no leito da cama.

A Enfermeira de serviço entrou e perguntou se já tinha jantado, puxou-o mais para a cabeceira e levantou mais as costas. Depois foi buscar um aparelho para medir a tensão. Primeiro ligou-o só ao dedo, depois uma braçadeira acima do cotovelo e depois ligou ainda três eléctrodos no peito. Comentou que estava um pouco irregular. Saiu e voltou com uma espécie de penso que colocou no peito. Disse que era para estabilizar a pulsação. Como ele estava com oxigénio eu perguntei à enfermeira, se ele ficasse melhor, não iria sentir a falta do oxigénio se fosse desligado. Ela explicou que nesse caso o oxigénio é reduzido lentamente ao longo de vários dias. Disse que ele estava com 4 litros de O2 por minuto.
Entretanto a hora da visita tinha chegado ao fim e já não se viam por ali outras visitas.
As despedidas são sempre um até amanhã e eu estava convencido disso!
Mesmo assim voltei atrás para me despedir de novo: "Até amanhã e uma noite descansada!..." Apeteceu-me beijar-lhe a mão, mas acariciei-lha apenas!

Recordo a sua Sabedoria. O seu sentido de Justiça. A sua atenção aos outros. A sua habilidade para trabalhar a madeira e o ferro e a sua inteligência. A sua criatividade. A sua Fé e as suas leituras. A maneira como jogava os três setes. Como sorria...!
Como viveu!
E como morreu!

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